Aposentadoria. Para a maioria das pessoas, a hora do descanso. Não para ela. Nivair Rocha ou dona Niva, 75 anos, resolveu iniciar um projeto voluntário enquanto realizava o processo de aposentadoria, aos 43. Moradora de Mandirituba, ela lembra que sentia que precisava fazer algo. Ao ver uma menina chorando na cantina da escola em que trabalhava, por estar sem ter onde morar após uma tempestade, não teve dúvidas: vinha dali a sua missão. E foi assim que, mais de 30 anos atrás, ela fundou o Comitê Contra a Fome e Pela Moradia, que ajuda mães em situação de vulnerabilidade a construir a própria casa.
Por meio do Comitê, dona Niva incentiva mulheres a trabalharem e pagarem, com o fruto desse trabalho, os materiais para construção de seus lares, que hoje custam em torno de R$ 30 mil. “Todas que ajudamos chegam aqui com luz, água e aluguel atrasado. E criança. A gente atende mães que têm dois filhos ou mais”, conta dona Niva.
Funciona assim: quando uma mulher chega pedindo ajuda, dona Niva pergunta o que ela sabe fazer. Uma das mais novas, por exemplo, disse que sabia fazer sabão. E, assim, dona Niva a ajuda a vender o produto. Além dessa fonte de renda, cada uma colabora duas vezes na semana com a panificadora do comitê, produzindo pães, bolos, salgados e outros produtos que são vendidos à população. O pagamento de R$ 80 pelo dia trabalhado vai direto para pagar as dívidas com a casa.
Anos atrás, quando o comitê ainda não tinha muito, dona Niva e voluntários adquiriram terrenos vendendo bolachas, roupas usadas, latinhas e papelão. Na época, eram espaços pequenos em diferentes lugares, onde foram construídos alguns lares. Os mais recentes, ficam em um grande terreno no bairro da Lagoinha. É um empréstimo: quando terminam de pagar pela casa, as mulheres começam a pagar ao comitê pelo terreno onde estão. Para a senhora de 75 anos que nunca parou de trabalhar, isso é ensinar a pescar. “Eu lanço os anzóis”, afirma.

E as famílias se ajudam. “Elas se dão bem. Uma pega a criança da outra na escola”, conta dona Niva. Recentemente, ela organizou uma rifa para ajudar uma das beneficiárias e todas as outras têm ajudado a vender. Segundo ela, “quando cada um faz um pouco, o pouco de cada um se multiplica”.
Quase dez anos após iniciar o comitê, em 2000, dona Niva deixou o projeto Casinhas Para Jesus para os amigos de empreitada (Nádi, Zeni e Betinho do Banco do Brasil), pois o marido precisava ir trabalhar na Bahia. Nos oito anos que esteve morando no novo estado, ela não parou: ajudou quatro mulheres como fez no Paraná. O marido, porém, acabou adoecendo devido a um câncer e ela voltou para Mandirituba, retomando o projeto que ela garante que não fez sozinha.
“Eu comecei na minha casa, depois a gente veio pro barracão da igreja. A Nádi da Emater foi e é meu pilar até hoje. Nunca ela me deixou sozinha. Todas as casas que eu fiz a Nadir esteve junto. A Zeni da Areia Branca também. São duas que estão comigo”.
Produtos
Da casa de dona Niva para o barracão da Paróquia e, de lá, para um espaço próprio, cedido pela igreja. Desde 2011, o comitê tem 300 m², com salão de eventos e a panificadora onde a magia acontece. Além de pães e bolos, a loja conta com itens de artesanato, panos de prato, higiene, limpeza, conservas, geleias, sucos, pirogue, panquecas, nhoque… algumas vezes no mês, são feitas feijoadas e pizzas. Além das vendas, toda segunda-feira o comitê abre para doar pães a quem precisa.
Solidariedade
Tudo tem um dedinho de dona Niva. Dia desses, uma das mulheres tinha uma encomenda de salgados para fazer e ela não sossegou enquanto não ajudou com o ingrediente mais caro. “Eu pensei ‘ela não tem os ingredientes’ e aqui ficou uma carne temperada. Eu vim pra missa, mas eu não assisti até o final. Eu tinha que sair. Eu pensei ‘eu vou lá pegar essa carne e levar pra ela, nem que eu vá levar a pé’. Aí quando eu olho, estava a minha sobrinha, que mora perto dela, na missa. Então eu vim correndo, peguei a carne, minha sobrinha levou. À tarde a gente foi buscar as encomendas e ela contou que também emprestou trigo da avó e óleo da mãe, o que diminuiu as despesas. Agora ela já vai ter como começar”.
A corrente do bem iniciada por dona Niva encontra muita ajuda no meio do caminho. Na panificadora, por exemplo, 15 voluntárias se revezam para ajudar. Pedreiros responsáveis pelas obras, quando veem que é grande a dificuldade, fazem descontos. A Associação Brasileira de Amparo à Infância (Abai) entra nas vaquinhas quando necessário. As filhas de dona Niva fizeram o pagamento de um pedreiro há pouco tempo. Outros amigos também colaboram com doações de vez em quando. “Eu nem durmo de alegria quando chega uma doação espontânea”, garante.
Prêmio
Apesar das dificuldades e da descrença de muitos, dona Niva nunca desistiu. Ao todo, já foram 49 casas construídas. E o trabalho foi homenageado com o Prêmio Voluntária do Ano 2021 do Conselho de Entidades Sociais do Paraná (Consesp). Prêmio que só vem a somar a um trabalho que segue firme. “Não sei por quanto tempo Deus vai permitir essa minha administração, mas enquanto eu estiver aqui, vai ser por essas mães”.
Serviço
Comitê Contra a Fome e Pela Moradia
Contato: 3626-1545 / 3626-1124
Endereço: Avenida Brasil (anexo à Paróquia Senhor Bom Jesus)
Conta para doações: Banco do Brasil (001) | Agência 2266-7 | CC 252.640-9