Caso Evandro: 'A gente foi ao inferno e voltou para contar a história', diz artesão que foi acusado de participar do crime

G1 Paraná

'A gente foi ao inferno e voltou para contar a história', diz artesão que foi acusado de participar do crime — Foto: Reprodução/RPC

O artesão Davi dos Santos Soares, que foi acusado pelo desaparecimento e morte de Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, falou pela primeira vez de frente para a câmera, em entrevista exclusiva à RPC, sobre o caso. Também é conhecido como "As Bruxas de Guaratuba", o caso aconteceu em 1992, quando o garoto, na época com seis anos, desapareceu no trajeto entre a casa e a escola. Dias depois, um corpo foi encontrado em um matagal sem alguns órgãos e com mãos e pés cortados. "A gente foi ao inferno e voltou para contar a história. O que eu mais desejaria é que a dona Maria e o esposo dela (pais do Evandro) entendessem que nós não somos culpados da morte do filho deles", disse ele.

Para a Polícia Militar da época, a criança foi morta em um ritual religioso encomendado por Celina e Beatriz Abagge, esposa e filha do então prefeito da cidade, Aldo Abagge. À época, cinco pessoas confessaram o crime - Beatriz, Celina, Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira e Davi dos Santos Soares - alguns em fitas de áudio, outros em vídeo. Essas fitas, editadas, embasaram o processo do caso.

O menino Evandro desapareceu em 6 de abril de 1992 — Foto: Reprodução/RPC
Menino Evandro desapareceu em 1992 (Reprodução RPC)

Revisão criminal

Na segunda-feira (6), a defesa de Beatriz, Davi e Osvaldo protocolou um pedido de revisão criminal das condenações dos três pela morte do menino Evandro. O documento apresenta um parecer que, segundo a defesa, atesta a veracidade das gravações que apontam que houve tortura dos então suspeitos durante a investigação, na década de 1990, para que eles confessassem o crime.

Segundo a defesa, durante os julgamentos em que os três foram condenados, as gravações com as confissões foram apresentadas editadas. Os áudios completos, que mostram os acusados recebendo instruções para confessar os crimes, se tornaram públicos em 2020, durante o podcast projetos Humanos, que contou a história do caso. Ao fim de uma batalha judicial que se prolongou por mais de duas décadas, Beatriz Abagge foi condenada a 21 anos de prisão. Os pais de santo Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos Soares foram condenados a 20 e 18 anos, respectivamente. De acordo com o pedido, as provas são ilícitas porque foram obtidas mediante tortura e influenciaram o restante do processo.

Os advogados pedem que Beatriz, Davi e Marcineiro sejam absolvidos, os processos sejam anulados e que uma indenização seja paga aos três. O recurso precisa ser analisado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que decide se acata ou nega o pedido. O Ministério Público do Paraná informou que analisará os elementos que serão levados ao processo pela revisionante e se manifestará nos autos. "Convém observar que a desconstituição de uma condenação criminal somente ocorre no caso de surgir nova prova cabal de exclusão de responsabilidade da pessoa condenada", informou a promotoria.

RPC também entrou em contato com a Secretaria Estadual de Segurança Pública e com a Polícia Militar e aguarda retorno.

Julgamentos

Desde os anos 1990, caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias. Na época, as Beatriz e Celina Abagge, mãe dela, foram inocentadas porque não houve a comprovação de que o corpo encontrado era do menino Evandro. O Ministério Público recorreu e um novo júri foi realizado em 2011. Beatriz, a filha, foi condenada a 21 anos de prisão. A mãe não foi julgada porque, como ela tinha mais de 70 anos, o crime já tinha prescrito. Os pais de santo, Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula, também foram condenados, na época, pelo sequestro e homicídio do garoto. Beatriz Abagge ficou presa por cinco anos e nove meses. Davi e Osvaldo estiveram em regime fechado por cerca de quatro anos e meio, segundo a defesa.

Reviravolta

O pedido foi feito após o jornalista Ivan Mizanzuk publicar no podcast Projeto Humanos os áudios completos das confissões. Segundo a defesa, as gravações completas mostram pedidos de socorro dos então investigados e provas de coação e ameaças por parte de torturadores.

Segundo a defesa, apenas uma parte dos depoimentos tinha sido anexada aos processos contra os acusados. O pedido de revisão contém um parecer de um perito contratado pelos advogados que diz que os áudios são autênticos. O documento também apresenta um parecer psicopatológico que aponta que houve tortura.