Precisamos falar sobre feminicídio
Por: Dayanne Wozhiak
Beijos, flores, chocolates e juras de amor... nenhum relacionamento começa ruim, nem mesmo os abusivos. Muito antes do primeiro tapa, os abusadores se mostram extremamente solícitos, românticos e dispostos a fazer a vítima feliz. Mulheres que sofrem violência de seus parceiros não pedem, nem ficam felizes com isso: elas foram manipuladas a acreditar que isso faz parte da convivência conjugal e que o companheiro tem chances de mudança.
Muitas se deixam levar pelo agressor, que costuma afastá-las de suas famílias, amigos e até do trabalho. Quando o feminicídio acontece, elas sentem que já não têm com quem contar. Outras acabam se cansando do ciclo de violência e, quando decidem dar um basta, acabam morrendo nas mãos de quem deveria protegê-las.
O Brasil é o 5º país no mundo no ranking de feminicídio. Segundo o Monitor da Violência, do G1, somente em 2022, foram mais de 1,4 mil mulheres vítimas de seus parceiros. Um recorde ao qual não se chegava desde 2017: tivemos UMA MULHER MORTA A CADA 6 HORAS. Pesquisas mais atuais, do DataFolha, indicam que 35 mulheres são agredidas por minuto no País.
No Paraná, mais especificamente, a presidente do Conselho da Comunidade da comarca de Fazenda Rio Grande, Vera Szadkoski, diz que houve um aumento de 10% nos casos de feminicídio em 2023, com relação a 2022. Segundo ela, isso se deve ao sistema patriarcal em que o Brasil foi fundado.
“Nós costumamos ouvir muito que o nosso país vem com essa cultura patriarcal, onde o homem tem a mulher como sua propriedade. Essa cultura impregnada na nossa sociedade faz com que, apesar da legislação vigente, o número de feminicídio aumente” destaca. Quando fala da Legislação, Vera cita a criação da Lei Maria da Penha e a alteração do Código Penal em 2015, que instituiu para o feminicídio uma pena de, no mínimo, 20 anos de reclusão.
Segundo ela, o feminicídio não acontece da noite para o dia. “Ele acontece depois de um ciclo longo de muita violência, quando o homem, inconformado com o posicionamento da mulher, de não querer mais viver essa violência para si e para os seus filhos, tira a vida dessa mulher, impactando aquela família e todo o seu entorno”, afirma.
O Conselho da Comunidade funciona através do Tribunal de Justiça do Paraná e tem como público-alvo os egressos do sistema prisional. Muitos deles são homens agressores. Porém, como a intenção é melhorar essa situação, o Conselho realiza trabalhos de prevenção da violência, como é o caso do projeto Educar é Transformar, em que jovens das escolas estaduais de Fazenda Rio Grande, Mandirituba e Agudos do Sul participam de palestras sobre o assunto. Por meio deste projeto, muitas jovens já identificaram abusos em seus relacionamentos.
Enfrentamento
Em Fazenda Rio Grande, a Patrulha Maria da Penha realizou, no ano passado, 350 visitas assistidas. Além disso, foram mais 53 atendimentos à rede de proteção à família. A Patrulha Maria da Penha tem a função de garantir a efetividade das medidas protetivas emitidas no município. Após receber os processos, uma dupla de Guardas Municipais faz o acompanhamento das vítimas, indo visitá-las diariamente para verificar se estão em segurança.
No ano passado, houve nove descumprimentos de medida protetiva no município. De acordo com o GM Celso, esse número é menor do que em anos anteriores, ainda assim, bastante significativo. Segundo ele, a medida protetiva estabelece que o contato tem que ser cerceado até mesmo no celular: o agressor é proibido de fazer ligações e enviar mensagens.
Além disso, “sempre que se tem filhos e a guarda é compartilha, o agressor masculino vai ter direito à visita, então é elencado um ente familiar que tem vínculo com as duas partes, para agir como um elo”. Porém, ele diz que em situações extremas, a medida protetiva é expedida também para as crianças; desta forma, o contato também é vedado para com os filhos.
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A chegada da LG em Fazenda Rio Grande
Em Araucária, o coordenador da Patrulha Maria da Penha, GM Colaço, diz que só em janeiro, foram recebidos 750 processos, incluindo violência contra mulheres e crianças. “Uma coisa que tem chamado bastante atenção é a intensidade dessas violências. Nos processos que nós temos recebido, tem-se verificado um aumento na força e na gravidade dessas agressões. Diminuíram os casos de somente violência psicológica e estão aparecendo muito mais casos de violência física”, preocupa-se o GM.
Ele diz que, se a mulher está vivendo em uma situação que não sabe se é o caso de violência doméstica, o ideal é procurar o órgão especializado em seu município. Não é preciso temer: os relatos são confidenciais e não são necessárias provas da violência. O relato, em si, já é levado em conta para a solicitação de afastamento. Em cinco anos de Patrulha Maria da Penha em Araucária, ele diz que não houve casos de feminicídio dentro do grupo de mulheres atendidas.
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Atendimento especializado
Ainda em Araucária, desde março de 2023, as mulheres em situação de violência podem contar com o Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CRAM), que faz acompanhamento das vítimas com medida protetiva e presta atendimento àquelas que estão buscando a primeira ajuda. No momento, são 93 mulheres acompanhadas pelo Centro, com todo um serviço de psicólogo e assistente social.
Normalmente o agressor tem um perfil, é isso o que afirma a diretora técnica do CRAM, Regiane Wlodarsk. “As mulheres acabam trazendo esses relatos daquele homem que, no início, é muito companheiro, dá muitos presentes, muitos elogios, e [depois], de certa forma, acaba cerceando o comportamento da mulher, proibindo que ela visite as amigas, os familiares. Então aos poucos ele acaba fazendo com que a mulher se torne vítima e refém da relação. Esse é o primeiro perfil, o que a gente chama de violência psicológica. Depois vêm outros sinais”, diz.
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Regiane lembra que a violência pode continuar para um nível físico, moral, sexual e/ou patrimonial, que é quando a mulher é impedida de ter acesso aos seus documentos, dinheiro e até o seu celular – o mesmo vale para quando o companheiro quebra o celular e outros objetos pessoais da vítima.
Segundo a diretora geral do CRAM, Susan Brepohl, por meio do Centro, as mulheres que decidem sair de uma situação de violência têm ainda acesso a encaminhamento para trabalho, caso estejam sem renda mensal, e até abrigo temporário para si e seus filhos, caso estejam em perigo.
Outros projetos são colocados em prática, como o Projeto Atitude: em parceria com Ministério Público, Vara Criminal, Prefeitura e Conselho da Comunidade, é realizado um trabalho com os violadores. Segundo Susan, esses homens passam por encontros onde são trabalhadas essas relações e o índice de reincidência é muito baixo.
Existe ainda o Programa Conte Comigo, que capacita os servidores do município que atendem à população e podem, assim, identificar sinais e sintomas de violência, para encaminhar essas mulheres ao CRAM. Outro serviço é o Programa Braço, que conta com uma assistente virtual da Prefeitura no WhatsApp, através do número 3614-1400. Por meio deste telefone, a mulher pode selecionar a opção para falar diretamente com o CRAM.
ONDE PROCURAR AJUDA?
Em todas as cidades do Brasil, os melhores canais de atendimento para emergência são através do 153 (Patrulha Maria da Penha) e 180 (Central de Atendimento à Mulher). Mas é possível buscar informações e aconselhamento nos seguintes endereços e telefones:
Agudos do Sul: Secretaria de Assistência e Promoção Social - Rua Carlos Machado, 70, Centro | Telefone: 3624-1033
Araucária: CRAM - R. Lourenço Jasiocha, 2197 – Centro | Telefone: 99927-3897
Campo do Tenente: CRAS - Rua Evaldo Mattege, 183 | Telefones: 3628-1429 e 3627-1752
Contenda: CREAS - Avenida João Franco, 400 | Telefone: 98403-2847
Curitiba: CRAM - Rua do Rosário, 144 - 8º andar - Centro | Telefones: 3338-1832 | 3224-6292
Fazenda Rio Grande: Secretaria da Mulher – R. Ten. Sandro Luiz Kampa, 182 – Iguaçu | Telefone: 3608-7636
Mandirituba: CREAS – Rua Francisco Manoel de Oliveira Mendes, 264-352 | Telefone: 3626 2748
Piên: Secretaria de Assistência Social e Defesa Civil – Rua Espírito Santo, 120 |Proteção Especial – Telefone: 9209-8618
Pinhais: Centro de Referência Maria da Penha - Rua 21 de Abril, 321 - Centro | Telefones: 97401-3913 e 99226-0692.
Piraquara: CREAS - R. Nova Tirol, 1350 - Vila Santa Maria | Telefone: 3590-3415
Quitandinha: CREAS – R. Independência, 20 – Centro | Telefone: 3623-1812
São José dos Pinhais: Delegacia da Mulher - Avenida Senador Souza Naves, nº 484, Centro – SJP | Guarda Municipal – Telefone: 0800 153 0800
Tijucas do Sul: Secretaria de Assistência Social – R. Brasília, 39 – Centro | Telefone: 3629-1674