Thiago Castanho: “Amazônia pode saltar do estereótipo da ‘comida diferente’ para protagonismo global”

Estamos a todo vapor na produção de uma edição do Prato Firmeza voltada à culinária amazônica. O “Prato Firmeza Amazônia: raízes da culinária brasileira” nasceu três anos atrás, antes sequer de sabermos que se avizinhava o anúncio da realização da Conferência das Partes (COP) na região e, especificamente, em Belém, capital paraense. A COP, para quem ainda não está totalmente por dentro, é a reunião anual dos representantes de países e territórios signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).

Já naquele momento, entendemos que mais que um guia que mapeia iniciativas de gastronomia nas periferias, o Prato Firmeza havia se tornado uma plataforma para discussão sobre comida, segurança e cultura alimentar.

Mergulhamos na discussão sobre as raízes da comida brasileira por meio da comida indígena e do olhar para esse território que ocupa mais da metade do mapa brasileiro. Porque é na Amazônia onde ainda estão preservadas culturas, saberes e tecnologias alimentares e medicinais que remontam a civilizações milenares.

Hoje já sabemos que a floresta amazônica foi construída por um processo agroflorestal, técnica que remonta à presença dos povos indígenas desde doze mil anos atrás, como afirma João Paulo Tukano, doutor em antropologia pela Universidade Federal do Amazonas. Ou seja, o manejo de espécies e plantações que utilizamos até hoje foi impulsionado pela vida em grandes agrupamentos duradouros dos povos amazônicos, com trocas constantes com outras populações, como as andinas.

“Foram desenvolvidas técnicas de cerâmica, arquitetura, de manejo da floresta, da terra, das cachoeiras e rios, técnicas de manipulação e conservação de alimentos, seja de frutas, pescado, caça…”, enumera o professor João Paulo. “Esses conhecimentos se tornaram essenciais para outros povos que habitam a Amazônia e são utilizados atualmente por famílias nesse território. São saberes que foram incorporados não apenas pelos colonizadores europeus, mas também por populações urbanas e ribeirinhas”, conta.

Como fala Thiago Castanho, cozinheiro paraense e pesquisador da culinária amazônica, na introdução desta nova edição do Prato Firmeza, “a Amazônia tem a chance de saltar do estereótipo da ‘comida diferente’ para uma posição de protagonismo global. Enquanto o mundo discute como alimentar populações de forma sustentável e regenerativa, a resposta já vem sendo praticada há séculos pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais da Amazônia, que ao longo dos anos vem também perdendo sua soberania alimentar para ultraprocessados da grande indústria”, afirma.

Ele lembra como a mandioca foi classificada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) como uma "cultura do século XXI", por sua incrível resiliência às mudanças climáticas. Algo que já é de conhecimento de quem planta e colhe mandioca todos os anos.

As populações das florestas, áreas rurais e periferias urbanas são, ao mesmo tempo, as que carregam saberes essenciais para a segurança alimentar do futuro e as mais sentem os impactos da crise climática. Os rios secam, as cheias acabam com as plantações, as espécies morrem, os frutos e vegetais perdem a qualidade nutricional e o sabor. O alimento fica mais caro, o prato vai ficando vazio. Para quem empreende nas periferias, os insumos vão rareando e tornando o preço final do produto mais caro. O espaço para alimentos ultraprocessados, como Thiago pontuou, se amplia como opção. Do açaí com peixe, passamos ao açaí com mortadela. E mesmo esse fruto típico está escasso nas tigelas e cuias amazônicas, por conta do aumento do preço decorrente da moda procura no mercado externo.

O Prato Firmeza fortalece caminhos possíveis, olhando para a ancestralidade: existem soluções sendo colocadas em prática não só agora, como há milhares de anos, que devem ser valorizadas, conservadas e resgatadas. Destacamos a cultura alimentar amazônica para apontar que existem caminhos que aliam segurança alimentar e conservação, que são resilientes à crise climática, que são tecnologias referência para o planeta.

A discussão sobre alimentação e mudanças climáticas só ganhou força na COP em 2021, com a a Declaração de Glasgow sobre a Alimentação e o Clima. Com a COP chegando a Belém, é urgente colocar a Amazônia como protagonista desse debate.

O Prato Firmeza vem para somar nesse esforço, pautando inclusive a alimentação no próprio evento. Em vez de coordenada por grandes redes de fast-food globais, como costuma ser, a comida na COP deve fortalecer sistemas alimentares justos e locais, como tem pleiteado o Instituto Regenera, a Assobio e a iniciativa Comida do Amanhã com a frente de atuação “Na mesa da COP-30”.

Nosso papel está em trazer a macro discussão ambiental para a mesa periférica. Enquanto negociações entre governos e empresas ocorrem longe do cotidiano, as comunidades locais têm dado respostas concretas. Registrar e compartilhar o trabalho de comunidades e pequenos empreendimentos amazônicos é uma ação potente pelo clima. A partir das mesas e da cultura periférica, o Prato Firmeza promove pratos e receitas que estão adiando o fim do mundo.